Escrito em 1948 e publicado em 1949, o romance “1984” de George Orwell é um clássico da literatura. Considerado distópico e futurista – o que ele é, realmente- o texto traz de forma realista e um tanto quanto complexa uma configuração de mundo em um futuro dominado pelo chamado “Grande Irmão” (Big Brother). Sim, para quem relacionou o nome ao reality show, apesar do criador dizer que não foi baseado no livro, todos encontramos uma semelhança enorme nos dois. Isso porque, em 1984, existe um sistema de vigilância – câmeras – controlando e observando, a todo momento, a vida dos cidadãos.
Há algo muito importante que devemos observar sempre que vamos mergulhar em uma história, seja livro ou filme: a contextualização temporal, ou seja, em que momento está se passando tudo aquilo, e também a época em que a obra foi escrita, o que na maioria dos casos conta muito. Nessa distopia, isso é fundamental, primeiro porque, se observarmos a data em que o livro foi escrito e publicado, qual o evento mundial que ainda estava fresco para todos? A Segunda Guerra Mundial. E em segundo lugar: 1984 explora em sua narrativa a visão e as experiências de uma pessoa comum presa em um sistema totalitário.
Notem que este não é um livro fácil de ler, e não pela dificuldade da escrita em si ou da sequência lógica – ou até da escolha de palavras, e sim porque Orwell tem de nos ensinar todo um vocabulário, uma forma de vida e uma configuração geográfica diferente para entendermos e visualizarmos a história. Então vamos lá: estamos no continente Oceânia e o mundo atualmente é dividido entre a Oceânia, a Lestásia e a Eurásia. Existe um sistema político hierárquico controlado pelo Grande Irmão que ninguém sabe quem é na verdade, como se fosse uma entidade, e também existem ministérios que controlam a sociedade. O vocabulário do livro – denominado “novafala” – foi criado por Orwell de uma forma simples e certeira, e é uma das ideias mais impressionantes do livro.
Ao mesmo tempo em que ele faz tudo isso, também nos apresenta o personagem principal, Winston. É interessante a forma como os personagens são tratados no livro. Não há muita descrição ou caracterização físico-psicológica deles, a não ser quando contadas pela visão do protagonista. Acabamos conhecendo Winston pelo narrador onisciente que visita os pensamentos, descreve suas ações e, às vezes, a falta delas – o que, neste caso, diz muito sobre as pessoas em geral no livro. Assim, o pouco diálogo e a movimentação dos personagens durante a história contam para o leitor quem eles são.
O que eu acho mais interessante no protagonista é o seu trabalho: Winston reescreve matérias, livros, quaisquer materiais escritos, de acordo com a atualidade. Tem um momento que exemplifica muito bem o que esse trabalho quer dizer: no começo, as notícias divulgadas eram de que a Oceânia estava em guerra com uma das outras potências, e no meio do livro, quando a situação se inverte, as notícias são de que a Oceânia sempre esteve em guerra com a atual, nunca com a outra.
Outro exemplo foi quando Winston publicou sobre três prisioneiros, e mais adiante, teve de reescrever todo o material como se essas três pessoas nunca tivessem existido. Agora imagine todos os materiais reescritos, cada geração aprendendo “história” de uma forma diferente até que, em um determinado momento, ninguém consegue saber, com certeza, como tudo começou e quando houve, de fato, a primeira mudança. Aqui não há fatos passados confiáveis. Não existe um passado, porque esse passado é recriado constantemente.
A possibilidade de sequer ler uma coisa dessas já é assustadora o suficiente, não é? O sistema de tortura criado na obra também é algo a ser analisado pela qualidade de criação, com níveis diferentes e diálogos surpreendentemente simples que complementam a loucura do sistema. O texto ficaria enorme se eu analisasse todas as ferramentas maravilhosas que George Orwell cria e aplica nesse clássico, mas, em suma, analisando não a história em si, mas a forma com que ela é contada, o livro é bem explicativo e parado até o primeiro ponto de virada, mas a dúvida principal – que paira na cabeça do protagonista e do leitor – é o que move a história do começo ao fim: existe ou não uma revolução? Um partido contrário?
A verdade é que eu só me dei conta do quanto havia sido influenciada por 1984 quando percebi que, para tudo que eu escrevia, usava o livro de referência. De uma maneira sutil, a escrita começou a fazer sentido e se encaixar no meu dia a dia, o que é assustador, por causa da temática, e incrível em relação ao poder da palavra. Sendo sincera, enquanto eu estava lendo sentia que faltava alguma coisa, mas o que faltava era tempo para digerir uma história dessas.