ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Resenha do livro: “Ensaio sobre a cegueira”.

 

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”

Livro dos conselhos

 

Vencedor do prêmio Nobel de literatura em 1998 e do prêmio Camões em 1995, José Saramago, o autor de “Ensaio Sobre a Cegueira”, é um escritor português de renome e uma grande influência na arte literária, principalmente na prosa portuguesa. Publicado em 1996, o livro é uma ficção dramática que encanta o leitor de várias formas. Não é fácil falar sobre um livro tão importante e conceituado como este, mas aqui compartilho algumas das minhas impressões e características técnicas que valem ser destacadas.

 

Um verdadeiro clássico

O romance transporta o leitor para um universo palpável e real, explorando o que pode acontecer com uma sociedade e quem somos nós diante dela. O literal "ensaio" de Saramago sobre a “treva branca” – nome da cegueira que assola os personagens – mostra como essa condição se torna um peso e uma divisória entre os humanos e os animais dentro da narrativa. A leitura faz com que os leitores se coloquem o tempo todo no lugar dos personagens e imaginem como seria o mundo daquela forma.

 

Um pouco de técnica

A escrita de Saramago se tornou um marco literário: parágrafos longos, sem a pontuação com a qual estamos acostumados e, principalmente, sem divisão dos diálogos com travessão ou aspas. Para distinguir os momentos de fala, o autor utiliza letras maiúsculas no início das falas, mesmo dentro dos parágrafos, sem pontuação alguma para indicá-los. O autor escreve de uma maneira mais próxima do falado, como dito por ele mesmo: “Não existe pontuação quando se fala. Falamos em um fluxo modulado por nossos pensamentos e emoções”. É importante ter esse entendimento para ler suas obras.

Outro ponto que merece destaque — e que não deve afastar quem deseja explorar esse clássico — é a complexidade do vocabulário, repleto de palavras pouco comuns para nós, o que somado à sua escrita singular, pode confundir em alguns momentos. Mesmo assim, não há a necessidade de se preocupar com isso, nem de ler o livro com um dicionário ao lado. O contexto é compreensível, desde que a leitura seja feita com atenção e lembrando que a pontuação reflete a oralidade, não a escrita convencional.

 

“Como todas as coisas da vida, também esta tem sua explicação”

Saramago, José, “Ensaio sobre a cegueira”

 

Uma grande experiência

Então, agora que você tem tudo isso em mente, vai entrar no universo dos clássicos – ou apenas aumentar seu repertório deles – por meio de uma narrativa intensa, singular e instigante, com um caráter científico, pensando nesse estudo elaborado em cima do que significa uma "epidemia" de cegueira. Chega a ser revoltante a ação dos personagens e do governo perante o mal instalado, justamente por serem tão próximas do que realmente poderia acontecer ser se a história fosse real.

A escassez de recursos, a aproximação com o animalesco, a precariedade, a falta de educação básica (higiene, modos, comunicação) e o fim, em seus diferentes aspectos, trazem uma reflexão e até uma sensação de desolação da qual não podemos fugir durante a experiência.

 

É preciso coragem

Aliás, esse é o principal objetivo do autor: trazer um sofrimento frente a um cenário terrível, brutal e violento, mostrando que “não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”. A falta de nomes para os personagens, que são descritos como “a mulher do médico”, “a rapariga dos olhos escuros”, “o velho da venda preta” e outros, mostra essa falta de humanidade e individualidade, afinal, isso pouco importa em um ambiente onde ninguém mais enxerga e todos, por isso, desaprenderam a viver em sociedade. A ética social foi completamente banida, assim como a preservação da vida e a responsabilidade comunitária.

 

“Eu acho que vamos morrer todos, é uma questão de tempo, Morrer sempre foi questão de tempo”

Saramago, José. “Ensaio sobre a cegueira”

 

Empatia pelo outro

A onisciência do narrador e a troca do discurso direto e indireto, oscilando entre os personagens, permite a aproximação necessária para pisarmos com os pés dos mesmos e participarmos do que eles estão vivenciando e sentindo, com o distanciamento necessário para analisar as escolhas de fora. Esse é o tipo de sensação que toda boa história deve proporcionar.

Há momentos de tensão extrema, de tristeza e de choro, de um pequeno alívio e de sorrisos. Mas, mais importante, há um senso de urgência direcionado ao leitor para que tenhamos a “responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”; cabe a nós enxergar e agir diante do que acontece ao nosso redor quando outros não o fazem e, às vezes, sequer o percebem.